{ background: black }

sexta-feira, abril 29, 2005

Angá - Echu Mingua (2005)

 pelO Puto 


Miguel 'Angá' Díaz, cubano de gema, é um dos melhores congueros do mundo, e o seu álbum de estreia a solo é um dos mais recentes destaques da World Circuit Records. E não é para menos. Aos seus dotes adiciona sonoridades de vários cantos do mundo, tendo como base a rumba do seu país natal, formando um composto orgânico bastante original. Absorve o jazz, a música africana, o hip-hop e a música improvisada num estilo único que alguém já apelidou de rumbadelica.
O núcleo duro do projecto, para além de Angá, é composto por músicos de várias longitudes: do Mali veio Baba Sissoki (vocalista, percussionista e tocador de n'goni - um instrumento de cordas), de França o DJ Dee Nasty (influente no meio hip-hop francês), e de Cuba o baixista Orlando 'Cachaíto' López. Estes juntamente com vários convidados ajudam a construir uma malha sonora abrangente e experimental, com o prodígio das congas de Angá a funcionar como esqueleto. Quer seja em composições simples ou em grandes arranjos de cordas ou sopros, em originais ou em versões de John Coltrane e Thelonius Monk, o produto resultante é um disco ecléctico, simbiótico, por vezes melancólico, por vezes quente, com uma panóplia de instrumentos e vozes deslumbrante. Para isso também muito contribuem o enorme rol de convidados, dos quais se destacam os aclamados pianistas Rúben González e Chucho Valdéz, David Alfaro dos Afro-Cuban All Stars e o flautista Magic Malik (trabalhou com St. Germain). Outro aspecto curioso é o encaixe perfeito dos samples e scratches de Dee Nasty em todo este tecido, conferindo-lhe uma certa contemporaneidade.
Um disco notável e apaixonante, que ajuda a desbravar novos caminhos.
http://www.worldcircuit.co.uk

Chain with no name 2

 pelO Puto 

Mais uma corrente, cujo último elo foi o anfitreão do paredes oblíquas. O tema é a literatura, que não é dos meus fortes, mas a causa é nobre, por isso cá vai:
Não podendo sair do fahrenheit 451, que livro quererias ser?
Sei lá. Talvez "Fábulas" de La Fontaine, ou "Bichos" de Miguel Torga, ou ainda "Timbuktu" de Paul Auster. Não li "Fahrenheit 451", por isso é eliminar aquele(s) que lá não estiverem. Mas todos ardem a essa temperatura.
Já alguma vez ficaste apanhadinho por um personagem de ficção?
Acho que não, apesar de ter sentido empatia por muitos.
Qual foi o último livro que compraste?
"A Missa do Galo" (Paul Bowles).
Qual o último livro que leste?
"Contos - Volume 1" (Anton Tchékhov).
Que livros estás a ler?
"O Conto de Skadavi"(Albino Fazendeiro);
"O Curral das Bestas" (Magnus Mills);
Que (5) livros levarias para uma ilha deserta?
(Ai tantos clichés)
"Ficções" (Jorge Luis Borges);
"O Estrangeiro" (Albert Camus);
"Narciso e Goldmundo" (Hermann Hesse);
"A Inocência e o Pecado" (Graham Greene);
"Admirável Mundo Novo" (Aldous Huxley);
"O Processo" (Franz Kafka);
"Suicídios Exemplares" (Enrique Vila-Matas). Oops, sete.
A quem vais passar este testemunho (três pessoas) e porquê?
- Ao Harry_Madox, devido à sua paixão confessa pelos livros;
- Ao Allen Douglas, porque quero ver 2 posts sobre o mesmo tema;
- À Micas Mariana, porque estou curioso.

terça-feira, abril 26, 2005

New Order - Waiting For The Sirens' Call (2005)

 pelO Puto 


Quase quatro anos após o algo controverso "Get Ready", penso que muitos fãs dos New Order concordarão que este último disco é uma desilusão. A começar pelo primeiro single, "Krafty", que não é um cartão de apresentação tão portentoso como o foi "Crystal". É certo que nos três primeiros temas reconhecemos os New Order fase pós-"Technique", mas a partir de "Krafty" a sinusóide domina, ou seja, o bom alterna com o mau. As nódoas caem no melhor pano, e facilmente se constata que algumas faixas simplesmente deveriam ser apagadas do alinhamento, pois em nada abonam o quarteto de Manchester, seja em qualidade ou inovação. É ouvir "I Told You So", "Jetstream" e "Guilty Is A Useless Emotion" (por favor!), e confirmar se tenho ou não razão. Logo agora que tinham atingido o equilíbrio, com "Get Ready" a funcionar como um álbum a sério, ao invés de uma colecção de canções, e assiste-se a este retrocesso. A capa bem avisa com um "não" redondo, mas não havia necessidade, meus senhores...
Ó Gillian Gilbert, vê lá se voltas, pois cada vez mais me convenço que tu és a argamassa desta casa.
http://www.neworderonline.com

sexta-feira, abril 22, 2005

The Stills - Logic Will Break Your Heart (2004)

 pelO Puto 


Mais uma boa surpresa recente vinda de Montreal, para além dos Godspeed You! Black Emperor, de Feist, dos The Arcade Fire e outros. Mas ao contrário das bandas de pós-rock, este quarteto canadiano funciona como um todo, sendo impossível imaginá-lo sem qualquer uma das partes.
Conhecem-se desde a pré-adolescência, e talvez isso contribua para a impressionante coesão do seu pop melancólico. Tendo como óbvias referências algumas bandas inglesas dos anos 80 (Joy Division, The Smiths, The Cure), o seu som é incrivelmente actual, à semelhança de muitos artistas que aí bebem as suas influências. As melodias contidas nestes 12 temas, todos pequenas pérolas, contam histórias de amor e morte, expõem crises existenciais e conquistam-nos pelas suas paisagens cinzentas. Para isso em muito contribuem a voz low profile de Tim Fletcher e os arranjos perfeitos (é que são mesmo!) das guitarras. O ritmo das canções é simples mas eficaz, pois hoje em dia banda pop que se preze tem que apontar tanto à mente como ao corpo.
Um álbum encantador de tão desencantado que é, e isso realmente quebra o coração.
http://www.thestills.net/

terça-feira, abril 19, 2005

Faze Action - Plans & Designs (1997)

 pelO Puto 


Era um vez dois irmãos: Robin e Simon Lee. Robin, um rapaz musicalmente formado e residente no Japão, e Simon, um produtor habilidoso a viver na sua Inglaterra natal. Ambos partilhavam uma paixão pela música em geral, e em particular pelo disco sound. Como a distância nunca foi impedimento para nada, trocaram gravações durante vários anos, lançaram alguns singles e, em 1997, editaram o primeiro álbum sob o nome Faze Action.
Não se pode considerar "Plans & Designs" um álbum revolucionário, mas o seu brilho está na forma como ressuscita o disco (estão lá os riffs de bateria, os arranjos de cordas e o baixo contagiante) e condensa várias vertentes do house. Expõem de forma clara, quase documental, a permeabilidade do disco via house e a facilidade com que lá se vertem, entre outros, o jazz, o funk e o neoclassicismo. Com a ajuda de uma secção de cordas, guitarristas, percussionistas, entre outros, elaboraram uma sequência de temas instrumentais, alguns deles de uma beleza rara que consegue ultrapassar o hedonismo próprio do género.
O segundo álbum, "Moving Cities" (1999), apura o sentido melódico do registo de estreia (o tema que lhe dá título é provavelmente o melhor que já compuseram), amplia as fronteiras, abraçando também a bossa nova e os ritmos latinos, e utiliza pela primeira vez a voz humana, apesar do formato canção estar longe de ser um dos seus objectivos.
No ano passado editaram "Broad Souls", rendendo-se ao soul e às suas formas mais recentes, em territórios próximos dos Zero 7, afastando-se assim da redefinição do disco.
http://www.fazeaction.com/

sexta-feira, abril 15, 2005

Música versus letra

 pelO Puto 


A música, uma das minhas grandes paixões (a quem lhe dedico umas quadras), enche-me os sentidos e a mente, e, talvez por isso, nem sempre tenho disponibilidade mental para prestar atenção às letras. As notas, os ritmos e as ambiências vêm sempre primeiro, e só depois, eventualmente, me dedico a explorar o verbo embebido. É certo que as palavras têm imensa musicalidade, mas a elas lhes é dedicada uma arte. Não permito que a componente textual me distraia ou impeça de disfrutar a componente sonora.
Apesar de não ser uma capacidade exclusivamente humana, é nesta dimensão que a música nos induz estados de alma. E a palavra que a acompanha não tem que ser, para mim, necessariamente sábia ou bela. Mas, quando isso acontece, desse jogo resultam composições inesquecíveis.

O ouvido sedento sacias
Amparas minh'alma na mão
Viajante de noite e de dia
Sem tirar os pés do chão.

Em teu corpo me contorso
E teu encanto me ataca
És luxúria sem remorso
Embriaguez sem ressaca

Não é uma letra de uma música, mas até poderia ser. É para verem até que ponto a música é inspiradora da letra, apesar do inverso também poder ser válido.

quinta-feira, abril 14, 2005

Old Jerusalem - Twice The Humbling Sun (2005)

 pelO Puto 


Old Jerusalem prossegue, ao segundo álbum, os caminhos trilhados na América aquando de "April", apesar da viagem agora assumir contornos mais evidentes. Ninguém diria que este rapaz (posso chamá-lo assim, pois é mais novo que eu), nascido em Portugal, se movimenta tão à vontade por territórios até agora dominados pelos anglo-saxónicos, como seja a folk, o slowcore e o country na sua versão mais alternativa. Transporta-nos no seu veículo acústico, e a sua voz temperada é o volante que nos conduz por vários estados de alma, entre a introspecção melancólica e a celebração contida. Constrói poemas à mudança de estações, reflecte sobre o amor e contempla a vida na sua simplicidade, tudo envolto em composições dedilhadas, envolventes e de uma sublimidade rara. A autenticidade deste disco, apesar de algumas referências (Mark Kozelek, Bill Calahan, e até Nick Drake ou Elliott Smith) que, num ou noutro tema, nos assombrarem a análise (quem é amnésico que atire a primeira pedra), é comprovada pela audição despretensiosa, o que me permite colocar Francisco Silva como o melhor songwriter português do tempo presente.
Destaque também para a excelência da capa e para a participação de Francisco Silva no novo disco do projecto de Paulo Miranda, The Unplayable Sofa Guitar.
http://www.bor-land.com/

domingo, abril 10, 2005

Bloc Party - Silent Alarm (2005)

 pelO Puto 


Como tinha referido há já algum tempo o anfitreão do Substrato, esta banda britânica ainda ia dar que falar, e o sucesso e os elogios da crítica estão aí para o confirmar. São um caso atípico na cena musical britânica, apesar da insistência em colá-los a um qualquer movimento ou sub-género, mas a invulgaridade reside no sucesso que o seu som algo difícil originou.
Segundo o que afirmam no seu site, este colectivo multi-racial retira a sua inspiração da cultura pop, desde 1976 até aos dias presentes. Mas não considero "Silent Alarm" uma obra pop (apesar de popular), no sentido em que não é no apelo vocal do formato canção nem nas melodias convencionais que se encontra a grande valência deste trabalho de estreia. As estruturas repetitivas e atmosféricas das guitarras, a bateria ágil e musculada e a forma pouco usual com que Kele Okereke utiliza a sua voz são algumas qualidades que se destacam, e a beleza bizarra que daí resulta é encantadora. Existem alguns namoros com a pop mais convencional ("This Modern Love", "So Here We Are"), apelos à dança mais explícitos ("Banquet", "Price Of Gas"), mas a obra, de uma forma geral, investe no menos óbvio, e o arrojo daí consequente é bem mais arty que o fenómeno defendido pela imprensa britânica (e não só). A comparação insistente e irritante com outras bandas, apesar de não ser totalmente descabida, é demasiado redutora.
http://www.blocparty.com/

quarta-feira, abril 06, 2005

Beck - Guero (2005)

 pelO Puto 


Sigo a carreira de Beck desde a sua génese. Lembro-me de ter ouvido o single "Loser", lados B incluídos (obrigado, Paulo do Candal), e de me ter viciado naquela mistura absurda e viciante de folk e hip-hop antes do grande público. A mudança, o cruzamento descomprometido (será mesmo?) entre géneros e o alargamento das fronteiras sempre foram uma constante na sua carreira. O surpreendente álbum de estreia ("Mellow Gold") quebrou as barreiras entre o folk, o rap e o rock psicadélico. Antes de "Odelay" - o álbum brilhante que condensa de forma natural uma disparidade de estilos - editou 2 discos menos expostos que não poderiam ser mais distintos: "Stereopathetic Soul Manure", na sua incursão pelo noise e pelo lo-fi, e "One Foot In The Grave", que primava pelo folk despojado. Depois, em "Mutations", aventurou-se pelas sonoridades acústicas com alguns laivos de psicadelia, e até pela bossa nova. "Midnite Vultures" marca o seu mergulho pelo funk mais ou menos electrónico, com falsettos mais presentes que nunca. Finalmente, volta a surpreender com o murro no estômago que é "Sea Change": belíssimo, emocional, o expoente máximo do seu exercício de songwriting. Tem provado, ao longo destes anos, ser simultaneamente um artista de massas e de culto, construtor de canções e experimentalista nato.
E depois disto tudo, o que mais poderia fazer Beck? Nada menos que um bom álbum, que é o caso de "Guero". É verdade que não inova nem surpreende como alguns dos álbuns anteriores, mas junta-os em intuitivo cozinhado, aprendendo com eles e construindo novas receitas. O registo vocal é mais contido e maduro, mas cada tema tresanda a Beck. A principal evocação é a "Odelay" (muito por culpa das batidas dos Dust Brothers e dos samples), embora os outros álbuns também marquem a sua presença, uma vez que aqui não há exclusividades - não fazia sentido, pois estamos a falar do señor Beck. E a conclusão a que chego é esta: o "som Beck" instituiu-se.
Um álbum-súmula que não desilude os fãs (pronto, talvez desiluda um pouco, uma vez que as expectativas eram grandes), e dá um passo em frente na sua evolução. Mas não um passo de gigante.
http://www.beck.com/