This Mortal Coil (20 anos)
pelO Puto
Faz para o mês que vem 20 anos que foi editado o álbum "It'll End In Tears", do projecto This Mortal Coil, idealizado pelo mentor e fundador da mítica editora 4AD, Ivo Watts-Russell. Com isto pretendia editar várias versões de temas originalmente interpretados pelos seus ídolos musicais (Tim Buckley, Big Star, etc.), utilizando os artistas assinados pela editora. E, para quem não sabe, o nome foi retirado do famoso monólogo de Hamlet com a caveira.
No início da década de 80 nasce a 4AD, uma editora orientada para sonoridades etéreas, oníricas e ambientais, ora belas ora assombrantes. Foi desde então que Ivo (chamemos-lhe assim) foi formando um conceito, utilizando os recursos disponíveis, que não eram poucos (Modern English, Cocteau Twins, Dead Can Dance, Colourbox, Wolfgang Press) . A primeira gravação foi uma versão de "Song To The Siren" (1983), de Tim Buckley, interpretada por Elizabeth Fraser e Robin Guthrie, dos Cocteau Twins. Tornou-se um pequeno sucesso (basta ser o tema mais conhecido deste projecto musical) e catapultou o álbum de estreia, "It'll End In Tears", para os tops um pouco por toda a Europa - ainda me lembro, quando era miúdo, de ver num programa de TV esse álbum a chegar quase ao top ten. "Song To The Siren" e o resto do álbum representam, por excelência, o tal chamado "som 4AD". Tanto as versões como os temas originais foram supervisionados por Ivo, por forma a garantir esse resultado final. E, diga-se de passagem, é um dos álbuns dos anos 80, com temas belíssimos e versões com vida própria . Para tal contribuiram bastante as colaborações, principalmente dos vocalistas (Liz Fraser dos Cocteau Twins, Gordon Sharp dos Cindytalk, Howard Devoto dos Buzzcocks e dos Magazine, Lisa Gerrard dos Dead Can Dance).
Dois anos depois é editado "Filigree and Shadow", aqui já em formato alargado para álbum duplo. A estrutura e conceito mantêm-se (versões intercaladas com temas originais), mas dá-se um pouco mais de ênfase aos arranjos - em grande parte graças a Martin McCarrick - e aos temas originais. Nas versões há temas mais familiares e outros mais rebuscados (os gostos de Ivo são assim), indo de Tim Buckley, Talking Heads ou Van Morrison, a Pearls Before Swine e Gary Ogan & Bill Lamb (conhecem? Eu também não, mas as versões são de tirar o fôlego). Destaque para as vozes estreantes no projecto: Dominic Appleton (Breathless), as irmãs Deidre e Louise Rutkowski, Alison Limerick, que mais tarde ficaria conhecida no campo da música de dança (!), e o francês Richenel (que aqui canta inglês). É um álbum conceptual, coeso e, mais uma vez, dotado de uma beleza estonteante e de uma atmosfera envolvente. Mais um momento alto dos eighties extra-pop-plástico (que tanto gosto também).
O capítulo final chega em 1991, em "Blood". Com este álbum faz sentido falar na triologia, pois adivinha-se o fim do projecto, e o último tema (um original) elimina qualquer dúvida. Ivo continua a trabalhar o conceito, mas aqui amplia um pouco o espectro sonoro, com aproximações ao ambient dub e às orquestrações mais luxuriantes. Encontram-se aqui temas de ídolos de Ivo, tais como Syd Barrett, The Byrds, Spirit ou Chris Bell (Big Star), ou de artistas contemporâneos, tais como The Apartments, Pieter Nooten & Michael Brook (ambos editaram pela 4AD) ou Mary Margaret O'Hara. São deliciosamente interpretados pelos repetentes Dominic Appleton, irmãs Rutkowski e Alison Limerick, e também por Caroline Crawley (Shelleyan Orphan), Kim Deal, Tanya Donelly e Heidi Berry, entre outros. O disco não possui o apelo nem a envolvência e integridade do registo anterior, mas tem os seus momentos altos.
E assim se encerra a triologia. Todos os 3 álbuns apresentam na capa a mesma pessoa, a modelo Pallas Citroen (nome estranho, não?), e foram todos concebidos pelos habituais colaboradores da 4AD, a v23 (23 envelope).
Este artigo foi uma pequena homenagem a uma das editoras mais embleméticas dos anos 80/inícios de 90, e a um dos seus projectos mais ambiciosos.
http://www.4ad.com/