Por razões profissionais fui ao Botswana. É um país que faz fronteira com o Zimbabwe a nordeste, com a África do Sul a sul e sudeste, com a Namíbia a oeste, e não tem qualquer fronteira com o mar. A maior atracção natural é o delta formado pelo Okavango, um rio que nasce em Angola e que se estende por mais de 1500 km até desaguar no Botswana, no deserto do Kalahari. As reservas de animais selvagens ao longo do rio são o chamariz turístico deste país. A capital é Gaborone, que fica a 30 km da África do Sul, e foi aí que este Totó fez a sua vidinha. Feita a introdução para situar os leitores, que a esta altura se interrogam se este é um
blog sobre viagens, vamos ao que interessa: a música.
Não sou grande conhecedor da chamada música do mundo, que aliás acho uma designação redutora e condescendente, própria dos países do Norte que gostam de catalogar tudo para arrumar mais facilmente nas prateleiras compradas no IKEA. A música tradicional, seja de que país for, regra geral não me atrai: do fado ao
blues, do flamenco ao
country, do celta ao
reggae. Abro algumas excepções: o
tango, o samba e o
jazz - música tradicional americana, se considerarem as suas raízes negras no delta do Mississipi. As tentativas para modernizar a música tradicional, que na maior parte dos casos se limita a acrescentar uma batida dançável, soam-me ridículas. Há no entanto algumas experiências que me parecem bem sucedidas: o aproveitamento das raízes indianas na música dos Asian Dub Foudation, Nitin Sawhney, Cornershop ou Talvin Singh; o tango dançável dos Gotan Project; a fusão entre o samba, a bossanova e o
jazz que deu origem ao
drum'n'bass de Kruder & Dorfmeister; o
folk ligado à corrente dos fino-suecos Hedningarna. Mesmo os que acham que estas bandas não trouxeram nada de novo à música têm que reconhecer o mérito de trazerem para o
mainstream sons abandonados.
Seja em que país estiver não procuro as modinhas locais. Não é por estar no Chile que de repente vou começar a achar piada aos tocadores de
pan pipes e a deliciar-me com o 'El Condor pasa'. Procuro o que de mais contemporâneo exista, na arte ou no modo de vida. Procuro a música de que gosto, e cada vez gosto mais da fusão da música electrónica com outros géneros. E gosto muito de dançar. Cada vez mais esse me parece o objectivo maior da música. Na adolescência fui um
shoegazer, ou, como se chamava cá, um vanguarda, numa altura do auge do
indie e do gótico, quando a música de dança era abominada e considerada um género menor. Esse estigma ainda se mantém mas vai-se esbatendo, e a música de dança vai ganhando credibilidade dada pela fusão com o
rock: Vitalic, Bloc Party, !!!, LCD, Ladytron ou Soulwax são alguns exemplos.
Gosto de dançar mas detesto a maior parte das discotecas. Em Portugal, seja numa discoteca pequena de província ou num ex-armazém armado ao pingarelho, com um porteiro antipático e meia dúzia de brasileiras seminuas a dançar em cima de pequenas plataformas como se a vida delas dependesse disso, o ambiente é sempre o mesmo: um calor infernal, luzes a piscar, som demasiado alto, ausência de espaços agradáveis para descansar e refrescar o corpo. Tudo está planeado para cumprir uma finalidade: o máximo consumo de álcool possível. Mas o que mais me irrita nas discotecas é o habitual cerco à pista de dança feito pelos
voyeurs de pulôver pelas costas e copo de
whisky na mão. Na pista a animação não é muito maior, corpos moles que se abanam muitas vezes com as mãos nos bolsos, como se estivessem à espera da vez no talho. Em Gaborone 'descobri' uma discoteca agradável com uma zona ao ar livre, música negra como seria de esperar:
soul e
hip hop americanos,
house com laivos tribais. Mas o que me fascinou foram aqueles corpos suados totalmente entregues ao prazer da música e da dança, como em Portugal só temos oportunidade de sentir em alguns festivais de verão.