Este ano apenas me aventurei por Paredes de Coura no último dia. Talvez por exibir um cartaz menos apelativo que nos anos anteriores tenha sido a razão mais forte. Bem, mas para o final estaria guardado o melhor: o retorno dos Sonic Youth, após vários anos de ausência dos palcos portugueses.
Quando cheguei ao recinto ainda ouvi parte da sinfonia do trio de guitarras dos Linda Martini, cativando uma pequena multidão entusiástica.
Instalei-me lá à frente para escutar o quarteto feminino mais esperado do dia. A vantagem do concerto ser de dia era o de revelar com mais nitidez as feições das meninas ("chuchus", segundo a minha amiga
Extravaganza), fazendo contrastar a beleza e a juventude com a experimentação e o garra do som. E que som! Fazendo escola em alguns nomes influentes do experimentação, nomeadamente os Sonic Youth, os Stereolab e os Mogwai, levam os ensinamentos para um campo matemático, onde a aleatoriedade é apenas aparente e a progressão em crescendo é imagem de marca. Revelaram ainda destreza, energia e simpatia durante o curto concerto. Os momentos altos, a meu ver, foram os devaneios de piano dos temas de “Axes”, o
single “To The East” e a versão do Bruce Springsteen.
Aproveitei o concerto dos Sunshine Underground - pelo que ouvi, não perdi grande coisa, até porque aquelas inflexões de voz do vocalista irritavam um bocado - para comer e socializar com pessoal que já não via há algum tempo. O festival de Paredes de Coura é um óptimo
rendez vous para melómanos.
Aos primeiros acordes de “Let’s Call It Off” dirigi-me para junto do palco para ouvir e ver Peter Bjorn and John. Bem, o John não pôde vir, e veio o Nino em substituição. O trio sueco surpreendeu-me com uma prestação enérgica, cativante, tecnicamente irrepreensível e longe dos clichés. Claro que, aos primeiros assobios de “Young Folks”, um dos
hits deste Verão, a multidão ficou ao rubro. Porque raio as pessoas só entram em ignição com estes hits? Acontece sempre isso nos concertos e irrita-me profundamente! O certo é que lidaram bem com o tema mas sentiu-se a falta da Victoria, e nem o apelo de alguém ao meu lado (“Victooooooriaaaaaaaa!!”) a fez aparecer. Terminaram em grande com uma versão longa e deliciosa de “Objects of My Affection”.
Quando as CSS entraram em palco, já estava farta de as ver. Tinham estado a assistir aos concertos anteriores nas entradas laterais do palco, armadas em supervedetas a desviar as atenções. Deveriam ser a banda mais ansiada pela faixa etária mais baixa, tal era a densidade de miúdos e miúdas envergando trajes muito
trash fashion. E pela indumentária da banda, percebe-se que cansaram mesmo de ser sexy, pois entre o
look de actor porno do baterista, a roupa
eighties-com-ombreiras da baixista e o ar camionista-metaleiro da teclista e da guitarrista, venha o diabo e escolha. Salve-se a Lovefoxx, mestre de cerimónias, com tiques mal pilhados à Karen O, mas ainda assim com 99% do carisma da banda. A actuação foi morna, e por entre referências ao vinho do Porto, a uma casa portuguesa e o desfilar dos fatos da vocalista de origem nipónica, lá apresentaram o curto repertório, que incluiu uma versão de “Pretend We’re Dead”, das L7. Terminaram com o êxito “Lets’s Make Love And Listen To Death From Above” e anunciaram os Sonic Youth. Pronto, já falei mais delas do que mereciam.
Após uma longa espera, causada pelo final antecipado das CSS (bem, preferi os minutos sem presença no palco que os temas cantados em português do Brasil), entraram os mestres em palco. Havia alguma expectativa em relação ao regresso daquela que considero ser a banda
rock mais influente dos últimos 20 anos. Sem jeitos de vedeta, o quarteto entrou em palco acompanhado do ex-Pavement (Uhuuu!) Mark Ibold. Não perderam tempo e brindaram-nos com um tema ancestral do seu álbum de estreia, “Confusion Is Sex”. A energia crua e niilista de então encontra aqui uma refinação, e o último álbum é sintoma disso. Aliás, o último álbum teve aqui especial destaque, uma vez que foi tocado quase na totalidade, abrindo com o incendiário “Incinerate” (passe a redundância) e “Reena”, onde Kim Gordon se viu livre do peso do baixo e pôde dançar como nunca a tinha visto antes. Em seguida Lee anunciou que iria cantar um dos temas de “Daydream Nation”, álbum que recentemente revisitaram em algumas actuações a ele dedicadas. Por entre temas de “Rather Ripped” ainda regressaram a dois dos seus maiores êxitos (“100%” e “Bull In The Heather”), terminando com “Jams Run Free”, com Kim sem rédeas, e “Pink Steam”. Já em encore, interpretaram corajosamente a triologia que encerra “Daydream Nation”, num ritual de consagração, e em segundo encore, apenas com o quarteto, recuperaram o breve “Shaking Hell”, do álbum de estreia. A vitalidade, a segurança, as introduções experimentalistas e divagadoras, a presença em palco e os anos de experiência contribuiram para revitalizar a admiração que sinto por esta banda. Por mais bocas que se ouçam relativamente à idade dos seus membros, mostraram a muito boa gente porque se chamam Sonic Youth.
De salientar também a qualidade técnica do som, que sofreu melhorias consideráveis em relação a anos anteriores, e da menor presença de espanhóis barulhentos, o que se fez sentir nos concertos, que no ano anterior pareciam cafés ou botequins. Pontos negativos para a zona da alimentação, sanitários e sobreavisos sobre o facto de não podermos sair e voltar a entrar com bilhetes de um dia.